terça-feira, 8 de setembro de 2009

Contos Avulsos - Desjejum

Desjejum

Estado da Paraíba. Casa de detenção esquecida por Deus, situada em algum boato geográfico deste estado. As celas foram feitas para suportar apenas vinte presos, a menos lotada já tinha setenta condenados. Jeferson estava na cela conhecida como “a praia”, pois era a primeira a ser banhada pelo sol da manhã e recebia a luz do astro o dia inteiro. Não que isso fosse algo bom já que o calor era escaldante. Tinha junto de si sessenta companheiros.

As celas recebiam uma quantidade de marmitas reduzidas devido à condição financeira do sistema correcional. Os presos tinham que dividir a comida entre si e assim como na selva, os lideres da alcatéia comiam melhor do que os mais fracos.

A massa de homens na cela de Jeferson estava quieta, todos em seus lugares, sentados, suando, alguns fumando um cigarro qualquer. Todos estavam de cuecas para tentar aliviar o calor infernal que descia da laje de concreto e transformava o ar em algo quente que irritava os pulmões. Vez ou outra se ouvia algum ataque de tosse aqui ou ali. Jeferson, sentado com os braços envoltos nos joelhos, com as costas escoradas na parede mais longe das grades. Era um lugar de luxo, também ficava longe do banheiro e ele já teve que lutar para defender seu quadrado.

Numa quarta feira qualquer, um ônibus velho e com a pintura gasta parou dentro do pátio da detenção. Quase cinqüenta pessoas desceram do veiculo, todos algemados e com as cabeças fitando o chão.
Os guardar alocaram os últimos dez recém chegados na “praia”. Houve algum protesto por parte dos atuais moradores, mas os porretes de madeira se fizeram entender. Os novos inquilinos estavam em pé, escorados nas grades da cela. Era uma massa de homens sujos e culpados.

A cadeia estava quieta, os presos já tinham aceitado seus destinos. Os problemas começaram quando as parcas marmitas chegaram. Eram a mesma quantidade de antes.

A “praia” recebeu suas vinte e cinco marmitas. Quando os guardas estavam se virando para ir embora uma das marmitas atingiu as barras de ferro espalhando a pouca comida no chão e nos guardas. Todos os presos se agitaram e palavrões voavam de todos os cantos. O diretor veio de sua sala com ar-condicionado e ao ver a pouca comida espalhada em frente à cela de Jeferson, ele balançou a cabeça com um ar triste estampado na face. A “praia” ficaria sem comida por alguns dias como castigo. Jeferson tinha aproveitado a confusão e roubou um bife e algumas pequenas batatas cozidas das marmitas que já tinham sido entregues. Comeu as batatas rapidamente sem que fosse notado, o pedaço de carne magra estava escondido em sua camisa, dobrada no canto da cela.

No segundo dia de castigo a fome ainda não era o maior problema. Um dos presos mais perigosos daquela cadeia era morador da “praia” e tinha confiscado duas marmitas inteiras. Alguns protestos foram ditos em voz baixa, mas ninguém queria enfrentar aquele monstro cruel e marcado.
No terceiro dia, uma disputa por meio tomate entre dois presos tinha acabado com alguns ossos quebrados, muitos cortes e a metade do tomate esmagada no chão. Naquela noite alguns presos passaram mal e foram acometidos por uma diarréia feroz.

No quarto dia, para ajudar, estava fazendo um calor acima do normal. Jeferson tinha apenas mais um minúsculo pedaço da carne que guardara em sua camisa, do qual já exalava um cheiro pouco convidativo. Apesar do que se esperava, a fome tinha feito com que um silencio estranho pairasse na “praia”. Os homens passavam a maior parte do tempo sentados. Pouco se falava. Jeferson olhava enquanto uma gota de suor escorria pelo seu braço e seguia todo o caminho ate a ponta do dedo para depois lançar-se ao chão, mas encontrado sua perna. Percebeu que o homem a sua esquerda não estava dormindo, tinha desmaiado. Uma caneca de água morna foi passada até o homem que foi servido por outro preso. Naquela noite, enquanto quase toda a “praia” estava dormindo, Jeferson viu, com a ajuda de uma luz fraca, o líder daquela cela, debruçar-se sobre o detento do lado e pegar uma caneca e depois beber o liquido com goles ferozes. Ao perceber que estava sendo observado pelo jovem do outro lado da cela, o homem abriu um sorriso largo deixando os poucos dentes a mostra e Jeferson notou a cor vermelha espalhada pela boca do homem. Subitamente olhou para o detento que dormia ao lado daquele homem e só então notou a palidez no rosto do preso. O líder da cela ria em silencio e fez um sinal com o dedo sobre os lábios para o jovem preso. Jeferson pegou uma trouxinha de pano que foi arremessada pelo homem e ao desenrolar o pano viu alguns pedaços de carne crua.

A primeira resposta do corpo foi tentar vomitar algo, mas não havia nada no estomago para ser regurgitado. Ao ver o susto do jovem que segurava o pano do outro lado da cela, o líder fez um gesto para que ele comece o presente. Tinha o semblante serio. Jeferson baixou os olhos e encarou aqueles nacos de carne crua. Pegou um dos pedaços e fechou os olhos quando sentiu o gosto ferroso na sua língua. O olhar de inquérito do grande homem que o encarava foi suficiente para que Jeferson mastiga-se aquele alimento. Para sua surpresa o estomago recebeu bem o novo alimento.

Já no quinto dia alguns presos estavam desmaiados ou mortos, todos os que estavam conscientes se aglomeravam perto da grade para manter distancia do jovem que arrancava mais um pedaço de carne do pescoço do antigo líder daquela cela. Seu rosto estava coberto por sangue e os olhos reviram-se enquanto mastigava seu antigo companheiro.

2 comentários:

Frango disse...

Filma isso, filma, filma!

The Puck disse...

Esta na fila!

 
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